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terça-feira, 15 de julho de 2008

Sexualidade e eugenia



Psicanalista desacredita recente pesquisa que aponta a homossexualidade como determinação genética

Por Paulo Roberto Ceccarelli ( www.mixbrasil.com.br)


Eles se beijam porque os genes pediram ou porque curtem um ao outro e pronto?!

A matéria publicada recentemente na Folha, inspirada na revista SLATE, traz um estudo científico sobre a bases neurobiológicas da "preferência sexual". Trata-se da descoberta do gene responsável pela homossexualidade masculina. Na verdade, o que teria sido descoberto é o gene da androfilia (atração por homens), uma astúcia da evolução indispensável para a preservação da espécie: graças a ele a mulher se sente atraída pelo homem, o que aumentaria a reprodução.

Importante ressaltar que a existência do gene da androfilia foi inferida a partir de complexos cálculos de estatística e de probabilidade. Ele não foi localizado em alguma parte do genoma humano: a melhor análise dos dado só foi alcançada considerando-se a probabilidade de sua presença.


Apoiados na seleção antagônica que preconiza que um gene pode ser reprodutivamente prejudicial para um sexo, mas benéfico para o outro, o estudo conclui que nas mulheres o gene estimularia a reprodução, e nos homens ele seria prejudicial, pois a comprometeria. O estudo não é válido para mulheres homossexuais. No caso delas, não haveria fatores genéticos, nem questões ambientais. Nada a dizer sobre elas. A conclusão é uma pérola de misoginia: "O gene da homossexualidade masculina é transmitido por promover altos índices de procriação nas mães, irmãs e tias de homens gays". Parece que a situação só se torna problemática quando o gene se manifesta lá onde não deveria: nos homens. A inexistência do gene da ginofilia (atração por mulheres) sugere que a atração do homem pela mulher é natural e dispensa explicações. Já em relação à homossexualidade masculina, o estudo acirra o preconceito. Se o gene é uma estratégia para tornarem as mulheres mais reprodutoras, os gays masculinos passam a ser um "efeito colateral" da evolução. O passo seguinte será medicar a homossexualidade como se medicam algumas doenças genéticas. Grandes perspectivas para a indústria farmacológica!

Dizer que o gene da androfilia aumenta a fertilidade feminina conduzem a conclusões implícitas preocupantes: se o gene só atua na mulher como uma estratégia da evolução, o objetivo primeiro da sexualidade, sobretudo a feminina, é a reprodução. Inquietante constatar a utilização do discurso científico para sustentar posições discriminativas seculares a respeito da mulher e de sua sexualidade. Há muito a psicanálise nos mostrou que no ser humano a sexualidade não está primeiramente destinada à reprodução. Nenhuma outra espécie criou tantos expedientes destinados a evitar a procriação e circunscrever a sexualidade a seu aspecto prazeroso. Se fôssemos geneticamente determinados deveríamos nos sentir atraídos pelo sexo oposto apenas no período de fertilidade da mulher, independentemente de seu sex-appel. Ora, por que nos sentimos atraídos por algumas pessoas e não por outras? Por que uma intensa atração sexual termina tão misteriosamente como começou? O que, no outro, nos atrai ou nos repulsa?

Segundo o biólogo François Jacob, nos organismos complexos o programa genético não traz instruções detalhadas para que eles possam responder às contingências. Somos programados para não sermos geneticamente determinados. Existem genes cuja função é desconectar uma determinação genética. A plasticidade neuronal sugere que o cérebro humano modifica-se constantemente ao receber as incidências da linguagem e das contingências que o afetam: o modo que fomos educados, a maneira como fomos vistos e falados, o lugar que ocupamos no desejo de quem nos deu vida psíquica, os valores sociais do masculino e do feminino... Ainda que os genes participem na constituição neurobiológica do indivíduo, não há como saber em que medida eles podem ser influenciados, ou silenciados, por fatores ambientais.


O curioso com este tipo de estudo é a obstinação em provar a existência de um gene responsável pela homossexualidade, como se a heterossexualidade não exigisse explicação. Por que, na sociedade ocidental, a sexualidade é objeto de tanta inquietude? Por que, em outras sociedades, esta questão nem chega a ser formulada?

Só nos cabe reagir com humor, e aguardar pesquisas mais proveitosas para o tecido social. Por exemplo, sobre as bases neurobiológicas da corrupção, da mentira socialmente instituída, das relações de poder, das diferentes formas de segregação e preconceito para, uma vez detectado os genes responsáveis por tais desvios, tratá-los. Tais pesquisas nos conduziriam a conhecer mais sobre nós mesmo do que estamos preparados.

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