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quarta-feira, 23 de maio de 2007

Entrevista com José Saramago- 2ª parte- No Jornal da Globo


Terça-feira, 22 de Maio de 2007

Entrevista com José Saramago – segunda parte

Do arquipélago das Canárias, na costa da África, o prêmio Nobel de Literatura José Saramago está atento ao que se passa por aqui, do outro lado do Atlântico. O Brasil, diz Saramago, não tem partidos; sofre do que ele chama de "caciquismo", e o governo Lula poderia ser melhor.
Na segunda parte da entrevista concedida a Edney Silvestre, o escritor fala também da morte. Sobre ela, aliás, Saramago tem uma definição surpreendente, bem ao estilo de seus textos.
A paisagem de Lanzarote é toda igual: rochas e terra escura, quilômetros e quilômetros de lava petrificada. Terra árida, e o vento – presença constante.
As violentas explosões que deram origem a esta terra estranha, que mais parece a superfície da Lua, aconteceram 40 milhões de anos atrás. O subsolo manteve o calor de tal forma, que em algumas partes da ilha, nada cresce.
Mas no quintal de José de Sousa Saramago, a terra negra gera vida. Ele nos mostra videiras, árvores frutíferas e as oliveiras – as mais especiais do jardim. Ele plantou quatro; uma não resistiu aos ventos de Lanzarote, mas ele mostra, orgulhoso, os brotos de uma segunda delas.
Daqui a pouco, os brotos serão azeitonas – como as da infância em Azinhaga, onde via os camponeses fazendo a colheita. “Agora aquilo são campos de milho, enfim, extensíssimos, o que me causa a mim ... a primeira vez que eu encontrei com aquilo foi assim um choque, um choque tremendo”, ele lembra.
A União Européia pagou para que as oliveiras fossem arrancadas e, assim, manter alto o preço do azeite. “As pessoas transformam-se em máquinas de ganhar dinheiro. Ou de tentar ganhar dinheiro”, diz Saramago.
Ele é um revolucionário que não aprova o terrorismo fundamentalista. “Mas então ninguém percebe que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino? Quem é que se haveria de atrever a uma coisa dessas? Pois atrevem-se todos os dias, em todas as religiões!”.
Gorbatchev, a queda do muro de Berlim, a hegemonia americana, a China comunista como potência capitalista; como ele vê esse mundo que emergiu do século XX? “Duvido que nos tempos mais próximos as idéias socialistas tenham qualquer oportunidade, porque aquilo que se passa com os partidos socialistas... a primeira coisa é que não são socialistas. E quem governa o mundo é o dinheiro”.
A decepção de Saramago inclui o presidente Lula e a frustração de expectativas, como a eleição de um ex-operário “Eu esperava mais e melhor. O Lula apresentou-se como alguém que iria resolver aquilo. Mas estava claríssimo que ele não podia. Se não mudava, se não transformava as lógicas do poder que fazem do Brasil um país um pouco estranho neste particular... é que no fundo não há partidos, há grupos de interesses, alianças que se fazem e que se desfazem consoante as conveniências. Há uma espécie, não quero dizer, não quero chamar de, digamos, ‘caciques’, mas há qualquer coisa que vem, digamos, na linha do ‘caciquismo’, que é o influente político que não sabe muito bem por que é que ele ganhou aquele poder, mas a verdade é que o ganhou”, avalia.
Mas o poder, entende Saramago, não realiza utopias. “E como é que o Lula, supondo que representava essa utopia de justiça social, resolução dos problemas gravíssimos que tem o Brasil nesse particular, como é que ele ia resolver? Sozinho? Como uma espécie de Joana D'Arc que vem, digamos, que lança em riste resolver tudo? Claro que não podia”, diz.
Foi uma outra decepção que trouxe Saramago para a ilha de Lanzarote: censura em Portugal. “Se durante 40 anos agüento...mas quase 50 anos tivemos, e tive eu e nós todos tivemos que agüentar o fascismo. O fascismo tinha as suas regras, pois apreendeu livros, meteu escritores na cadeia, algumas vezes. E agora chega a democracia e proíbem-me o livro”, conta.
O livro era “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Em 92, o governo português proibiu que o romance fosse inscrito num prêmio por causa de trechos como o seguinte:
O filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.
“Houve uma censura, e uma censura que eles justificavam desta maneira: o livro era ofensivo para os católicos portugueses. Como se eu tivesse alguma coisa que ver com os católicos portugueses, não?”, conta.
Em Lazarote, ele vive com simplicidade. Nas paredes, tem obras de arte, fotos e lembranças. No escritório, mais fotos, a imagem do amigo Jorge Amado e estatuetas de cavalos, seu bicho favorito.
É a oficina do intelectual neto de criadores de porcos, sem vaidades - que reagiu com humildade ao maior prêmio literário do planeta. “E realmente estou a pensar, enfim, aturdido, enfim, pela notícia e tal do Prêmio Nobel. E em voz alta: ‘sim, tenho o Prêmio Nobel’. E quê? Que eu achava pouco ter o Prêmio Nobel? Não, não, não. É que no fundo, no fundo, tudo é pouco, tudo é insignificante. Que eu estivesse a pensar no universo, e em relação ao universo, o Prêmio Nobel não teria importância nenhuma”, conta.
Como Saramago vê o próprio futuro? “Tenho 84 anos, posso viver mais três ou quatro, ou cinco anos”. E a morte não o assusta. “Não, não, não. Tal como eu vejo, o pior que a morte tem é que antes estavas, e agora já não estás. Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse. Já devia estar farta de viver, e disse: ‘o mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer’. E ela não tinha pena de morrer: ela tinha pena de já não estar, no futuro, para continuar a ver esse mundo que ela achava bonito”.

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